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Sou seu vizinho, muito prazer!


Os que têm mais de 30 ou 35 anos vão se lembrar. Lembrar de um tempo em que se conhecia o nome de todos os vizinhos do bairro, da rua, da vila, com quem eram casados, quantos filhos tinham, onde estudavam, os hábitos cotidianos e onde moravam seus parentes. Um tempo em que um tomava conta da casa do outro nos períodos de viagem, alimentava os animais de estimação, recebia as correspondências do correio e abria a porta do quintal para o marcador da luz e da água entrarem.


Nos bairros mais periféricos, como na Zona Noroeste, em Santos, verão era sinônimo de cadeiras nas calçadas à noite, com o portão aberto, a pipoca feita e a criançada brincando pela rua. Ali se praticava o que hoje se vê muito nas redes sociais: o compartilhamento de ideias, o debate olho no olho, a troca de alegrias e tristezas. Uma terapia saudável e fraterna, sem internet, bluetooth, face....


Esse tempo passou, e não apenas porque os hábitos mudaram, as cidades se verticalizaram e as rotinas deixaram pouco tempo para esse "não-fazer-nada-na-porta-de-casa". Passou porque ficar com o portão aberto e a casa escancarada, hoje, soa até como uma insanidade mental diante de tanta criminalidade. Um verdadeiro convite para a bandidagem.


Mas se é verdade que o mundo dá voltas e sempre acaba no mesmo lugar, esse movimento que afastou as pessoas do convívio coletivo pode estar completando uma volta inteira. E pelas mãos de quem ou do quê? Da violência, justamente dela, o pivô da mudança de hábitos.


Começa a tomar corpo em várias cidades brasileiras - e aqui na Baixada Santista também - uma iniciativa que reagrega os moradores em torno de um bem comum: a segurança. A Vizinhança Solidária surgiu nos grandes centros urbanos, como na Capital, mas já se faz presente em alguns bairros de São Vicente e agora, mais recentemente, no Boqueirão, em Santos.


Primeiro por meio de grupos de WhatsApp, os moradores se unem para avisar sobre atitudes suspeitas, eventuais episódios de invasão de casa ou assalto, e até para pedir socorro. Em um estágio mais avançado, se organizam para equipar a rua com câmeras de monitoramento e dotar seus membros de aplicativos que vigiem as vias do bairro.


"Foi nessas reuniões do bairro que conheci pessoas que são meus vizinhos há 20, 30 anos. Gente que mora do lado do meu prédio, cujos pais já eram amigos dos meus pais", me disse, empolgado, o Paulo Duarte, morador do Boqueirão, que partilhou sua experiência de Vizinhança Solidária em um evento promovido nesta segunda-feira por A Tribuna.


Ao se reunirem para discutir ações mitigadoras da violência, homens e mulheres acabam partilhando outras experiências, criam a velha e boa sinergia de vizinhos, formam novos grupos de amigos, estabelecem relações que ficaram perdidas no passado. Num passado que, jovens como muitos são, sequer conheceram ou vivenciaram.


Imaginando que a sociedade caminha de volta para suas origens - há uma corrente que pensa assim -, é possível imaginar que outras práticas prosperem para além da segurança: grupos de vizinhos que se encontrem para adotar uma praça abandonada, reivindicar a instalação de uma escola, uma agência bancária, fazer compras coletivas para baratear os preços e, quem sabe, até serem amigos.


Sonho? Viagem? Talvez, mas fato é que a necessidade criou o precedente, e que bom será ver essa Vizinhança Solidária multiplicada em outros bairros e comunidades. Esse é o verdadeiro sentido de cidadania, de apropriação da cidade, de participação. Mais que isso: um sinal claro de civilidade e consciência.


Se já é certo que a Vizinhança Solidária ajudou a reduzir as ocorrências nos bairros onde foi implantada, é certo também que ajudará as cidades e os cidadãos a se tornarem mais próximos uns dos outros, reformatando um elo que se rompeu lá no passado.


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